Absurdo é o deserto
por Victor Carvalho do Blog Acerto de Contas
jornalista
O momento não é eleitoral, mas o frisson por pesquisas já começou. A oposição, não poderia ser diferente, saiu na frente. Entrevistas, artigo, portal de debates e até cinema. Curada a ressaca de 2010, abriram o ano com um Fernando Henrique Cardoso inspirado e cansado de esperar pelo novo líder, que nunca veio. Por vários meios, aos 80 anos, o ex-presidente resolveu inovar, vir a público desprovido da necessidade do voto e afirmar aos partidos de oposição que construir no consenso não basta, é necessário se posicionar diante dos grandes temas nacionais, apontar novos rumos e propor uma agenda alternativa à sociedade.
“Para exercer de fato o poder no sentido pleno, ao exercê-lo, ele tem que mudar as coisas numa determinada direção”. A análise do ex-presidente, extraída de uma entrevista concedida em fevereiro, vale tanto para a oposição quanto para a situação. A simples construção pelo consenso – orientada por pesquisas de opinião e pelo senso comum – reduz a dimensão política das ações. A ansiedade pelo alcance ou manutenção de bons índices de avaliação prejudica, quando não inviabiliza, a construção de uma agenda de fato importante para a sociedade.
É indiscutível o valor das pesquisas de opinião. Sem dúvida, o instrumento proporciona uma maior afinação entre políticos e sociedade. No entanto, nos últimos 30 anos, sua popularização foi acompanhada pelo crescimento do número de partidos que pensam igual e propõem, na prática, as mesmas soluções. Em consequência disso, governantes cederam lugar a administradores e o exercício do poder, em muitos casos, pode ser comparado a uma gincana em busca da popularidade.
Na tentativa de se encaixar em modelos desenhados por pesquisas, o Brasil ficou repleto de partidos “de centro” e são vários os políticos que não dão um passo sem antes “consultar a sociedade”. Nessa pisada, agremiações mudaram discurso, programa, lideres e até o próprio nome. Ao invés de se reposicionarem, perderam posicionamento. Passaram a ser mais um, falando “o que as pessoas querem ouvir”. Subestimam os eleitores e esquecem que as pessoas podem gostar do que ainda não conhecem, não está no repertório.
Na política ou em qualquer outro ambiente ter qualidade e atender às expectativas, muitas vezes, não basta. É preciso ser genuíno, diferenciar-se para criar identidade e fazer história. Na música, por exemplo, como bem resumiu o crítico Bruno MacDonald, “nos anos 60 era simples: os Beatles eram bons, os Stones eram maus”. Digamos que as diferenças, neste caso, fizeram toda a diferença. Dada a dimensão dos garotos de Liverpool, os Rolling Stones não hesitaram em trilhar um caminho oposto, transformando a ameaça da disputa em oportunidade de crescimento. Let it be gerou Let it bleed e o resultado de tudo isso fez, faz e fará a cabeça de várias gerações. Quantos não tentaram copiar estas duas fórmulas?
Em determinadas situações, apontar para algo que poucos enxergam é o bastante para mudar tudo. Alguém acha que Juscelino Kubitschek encomendou um estudo quali-quantitativo para decidir se ia ou não construir Brasília? Quem poderia concordar com a ideia “absurda” de construir uma cidade no meio do deserto? Mas para JK absurdo era o deserto e ele estava disposto a construir cinquenta anos em cinco. A obra que materializou o conceito principal de seu governo passou anos no centro do debate nacional. Erro estratégico, corrupção, atrasos… a imprensa não economizou nas críticas. Tudo bem, a pauta era a do governo. Hoje Brasília é uma realidade, JK é uma referência e as críticas são arquivo público.
Se pesquisa é importante, saber ler seu conteúdo e compreender seu papel é fundamental. A análise da opinião pública é insumo, não receita. Construir imagem segundo o consenso indicado em pesquisas é fácil. Tão fácil quanto sucumbir ao surgimento de outra liderança associada à conjuntura. Difícil mesmo é apontar novos rumos, mexer em estruturas, construir marcas que resistam ao tempo. Sem desmerecer os avanços que experimentamos desde o início dos anos 90, vivemos um grande vazio discursivo. Eis o nosso deserto. Nos falta encontrar uma nova Brasília.
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