Assange e a hipocrisia universal

20/06/2012 18:50

Por Paulo Moreira Leite, Vamos Combinar/Revista Época

 

Abrigado na embaixada do Equador em Londres, onde pede direito de asilo, Julian Assange , o fundador do Wikilkeaks, enfrenta uma duplamente vergonhosa.

Para começar, foi defender sua liberdade no Equador de Rafael Correa, justamente aquele país que os EUA adoram apontar como inimigo das liberdades e direitos humanos.

Num mundo que costuma proclamar seu amor à liberdade de expressão,  não custa lembrar que  Assange não roubou, não mentiu nem manipulou informações.

Sua importância deriva de sua periculosidade democrática.

Ao perseguí-lo, governos e corporações financeiras — que cederam à pressão para cortar suas fontes de suporte financeiro — foram reprovados no  único teste real de valores e convicções, aquele que demonstra que o apego a determinados princípios só é real quando ele fere nossos interesses.

Pela primeira vez, os chefes da maior potência militar e política do planeta não estão seguros sobre seus segredos,  mentiras, do jogo duplo.

Vivemos num universo de grandes irmãos. Nossa vida é atravessada por agências privadas e públicas de de espionagem, serviços secretos, assessorias e consultorias especializadas em mentir, fabular, inventar.

Os cidadãos decentes do mundo têm uma dívida com quem divulga informações confiáveis, em estado bruto, sem seleção e sem edição, doa a quem doer.

Jules Assange apenas  revelou informações oficiais que os EUA costumam esconder de sua população, dos países aliados, onde fazem negócios e ganham influência.

É importante porque incomoda, não porque é bonzinho ou associado a causas bonitinhas e inofensivas. Não defende uma utopia mas o conhecimento de uma realidade, crua, dolorosa e até criminosa.

Fez aquilo que grandes veículos de comunicação deveriam fazer – e não fazem, ou porque não querem, ou porque não podem, ou por ambos.

No maior curso intensivo de relações internacionais desde a invenção da diplomacia, o Wikileaks ajudou cada cidadão de nosso tempo a enxergar  mentiras, dólares e fuzis sob os punhos de renda.

Numa caçada que ocorre à vista de todos, o governo dos EUA quer encarcerar Assange de qualquer maneira. Para tanto, só aguarda que seja levado para a Suécia, a pretexto de ser julgado de uma acusação de violência sexual. A questão não é definir se ele é culpado ou inocente dessa acusação. Não é este julgamento que importa.

Basta Assange pisar em território amigo dos EUA para correr o risco de ser deportado para território norte-americano, onde pode vir a ser mantido na mesma situação do soldado Bradley Manning,  acusado de ser a fonte dos documentos revelados pelo Wikileaks.

Manning está preso sem julgamento desde 2010, num regime que acumula diversos atos de desrespeito a seus direitos e liberdades.

O pior é que, pouco a pouco, a ameaça a Assange começa a cair no esquecimento. Lembramos que ele existe quando os jornais publicam uma notícia de um movimento para defender sua liberdade. É como se fosse um pré-prisioneiro, já em fuga. Ou um doente que é vítima de uma doença incurável, de quem só se esperam más notícias.

O mundo não veio abaixo por causa do Wikileaks. Tornou-se mais consciente, menos manipulável.  Esta é a mudança que a perseguição tenta impedir.

 

Tópico: Assange e a hipocrisia universal

Nenhum comentário foi encontrado.

Novo comentário