Clima ressuscita risco de inflação global de alimentos

12/08/2012 15:25

Uma onda de tempo ruim —seca nos Estados Unidos, verão quente demais na Rússia, muita chuva no Brasil — está prejudicando a cadeia de produção de alimentos e aumentando preços ao redor do mundo.

A FAO, órgão das Nações Unidas para alimentos e agricultura, anunciou ontem que seu índice para preços de alimentos subiu 6% no mês passado, a maior alta desde novembro de 2009. O índice, que mede os preços de exportação de alimentos, está 10% abaixo de seu recorde de fevereiro de 2011.

Reuters

Gado em enchente do Rio Solimões, Amazonas, em maio deste ano

Os preços do milho, trigo e soja subiram no mercado futuro ontem, apontando para o risco de novos aumentos de preço de alimentos. A alta de 1% do milho o deixa em alta de 47% desde 31 de maio, antes da seca nos EUA, enquanto os preços da soja subiram 4% ontem e estão 26% mais altos no mesmo período.

As altas refletem danos causados por clima seco e quente na região produtora nos EUA, onde se esperavam boas safras de milho e soja, fundamentais para a alimentação de gado que podem elevar os preços de carne e laticínios. Traders de commodities e observadores do mercado esperam que o Usda, como é conhecido o ministério de Agricultura dos EUA, corte suas estimativas de colheita para ambas as culturas em seu relatório mensal de hoje.

A seca piorou semana passada em importantes regiões produtoras de milho e soja dos EUA, segundo um mapa da seca divulgado pelo Centro Nacional de Alívio da Seca da Universidade de Nebraska em conjunto com agências do governo.

"O mercado está olhando para a frente e está bem ciente dos problemas por todo o mundo", disse Concepcion Calpe, economista sênior da FAO. "Os próximos meses terão muita volatilidade."

O clima quente na ex-União Soviética também está elevando o preço do trigo, enquanto as chuvas no Brasil prejudicaram a safra de cana-de-açúcar, segundo a organização. Os preços do arroz, contudo, quase não se mexeram e o suprimento mundial está bom, aliviando o impacto sobre os pobres, para quem arroz é um alimento básico.

Os problemas atuais aumentam a necessidade de produção alta em grandes países exportadores do Hemisfério Sul, como Argentina, Austrália e Brasil, onde agricultores estão se preparando para plantar a próxima safra dentro de alguns meses. "Toda a atenção vai se voltar para as lavouras que estão vindo", disse Calpe.

Membros de organizações internacionais, incluindo o Banco Mundial e o Programa Mundial de Alimentos da ONU, temem que governos reajam à escassez de alimentos limitando exportações ou acumulando estoques, o que pressionaria ainda mais os preços.

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Sob essas circunstâncias, "você tem um problema muito, muito maior", disse Arif Husain, representante do Programa Mundial de Alimentos.

Recentes altas de preço também foram causadas por problemas climáticos e agravadas por restrições comerciais, dizem analistas. Em 2010, por exemplo, uma onda de calor na Rússia levou o governo a proibir exportações de trigo, enquanto uma alta mundial de preços em 2007 e 2008 levou a manifestações violentas em vários países.

Investidores estão de olho no risco de novas intervenções de governos. "Quando isso começar, vai ser bem contagioso", disse Jeremy Grantham, estrategista-chefe de investimentos da GMO LLC, que administra US$ 100 bilhões em ativos.

Preços de exportações não se traduzem diretamente em preços no varejo, que também dependem de outros fatores, como subsídios locais e as margens dos processadores de alimentos.

Mas analistas esperam que o problema chegue ao bolso do consumidor, inclusive os da nova classe média de mercados emergentes, onde o consumo de carne tem crescido. Alimentos mais caros poderiam também prejudicar países como o Brasil, a China e a Índia, que já estão com a economia em marcha lenta.

"Esses países vão ter de lidar com um PIB menor e [preços de] alimentos maiores", disse Sean Darby, estrategista-chefe de ações mundiais da Jefferies & Co.

Turbulência nos mercados de grãos poderiam beneficiar grandes fornecedores de commodities. Sergio Rial, diretorfinanceiro da gigante de grãos Cargill Inc., disse que a seca "provavelmente" aumentaria os lucros no curto prazo à medida que a empresa use seu alcance mundial para comprar grãos na América do Sul.

No longo prazo, a Cargill pode ter um volume menor no processamento de grãos se os preços mais altos reduzirem as compras, além de custos inflacionados em seu vasto negócio de processamento de carne.

Mas o dólar também tem subido recentemente, o que poderia aumentar a conta de compradores de fora dos EUA que usam suas moedas locais para comprar milho americano. Os EUA são o maior produtor e exportador mundial do grão.

Países que dependem de milho e soja importados estão propensos a ser afetados pela seca nos EUA. A China é um grande importador de soja, usada para alimentar porcos, a fonte de proteína animal favorita do país.

O México, por sua vez, é um grande importador de milho. "Estamos relativamente preocupados" quanto ao impacto da seca americana, disse uma autoridade mexicana, observando ao mesmo tempo que a produção de milho no México deve aumentar este ano.

O Departamento de Agricultura dos EUA, equivalente a um ministério, divulgou na semana passada que compradores mexicanos haviam adquirido 1,5 milhão de toneladas de milho americano. Não está claro quem foram os compradores.

Ontem, o governo brasileiro também aumentou sua previsão para a safra de milho.

Agências de assistência social poderiam ser prejudicadas porque o custo do alimento que elas distribuem poderia aumentar ao mesmo tempo em que mais pessoas precisam dele.

"Vamos ser atingidos em ambos os lados", disse Husain, da Programa Mundial de Alimentos. Se os alimentos que o programa costuma fornecer aumentarem de preço em 10%, os custos da agência subiriam em US$ 200 milhões, disse ele.

(Colaboraram Doug Cameron e Owen Fletcher.)

Por Liam Preven, do The Wall Street Journal

 

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