Lobistas contra saúde pública estão chegando…

07/06/2012 18:12

 

SAÚDE PÚBLICA

 

Por Paulo Moreira Leite, Blog Vamos Combinar/Revista Época

 

A aprovação, pela Câmara, de um projeto de lei que fixa um prazo máximo para tratamento de pacientes com câncer pelo SUS representa uma ótima oportunidade para o país debater seu sistema de saúde pública.

É uma proposta tão boa e tão útil que podemos aguardar, para breve, uma reprise brasileira daquela campanha indecente dos lobistas da saúde privada americana, que chegaram a acusar Barack Obama de nazista e stalinista porque pretendia melhor – um pouco, só um  pouquinho na verdade – a saúde pública de seu país.

A política dos EUA tem  vários defeitos mas uma vantagem. Os interesses aparecem com muita transparência, não costumam ser mascarados pela hipocrisia e por uma falsa consciência do Estado e dos direitos de cada um.

A média para início de quimioterapia hoje, no Brasil, é de 76 dias e de radioterapia é de 113 dias. Isso quer dizer que muitas pessoas só conseguem iniciar o tratamento após seis meses, quando aquilo que era um pequeno nódulo pode ter-se transformado num tumor mais grave e incurável.

Como as dificuldades para fazer um diagnóstico no tempo necessário são conhecidas, pode-se imaginar o número de vidas que são desperdiçadas pelo abandono, pela falta de cuidado e tratamento na hora adequada.

Uma das melhores cláusulas da Constituição de 1988 foi a definição de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Isso quer dizer simplesmente que ninguém merece ter uma vida mais curta porque tem menos dinheiro no banco.

É um princípio moderno, coerente com o espírito de uma Constituição que define uma postura de inclusão social, a mesma que levou, por exemplo, à aprovação das cotas para negros nas universidades públicas.

Não por acaso, este princípio tem sido alvo de uma campanha subterrânea junto ao Supremo Tribunal Federal, na esperança de criar uma norma mais flexível, adaptada às carências atuais do sistema de saúde pública, que refletem o descaso e a falta de prioridade em relação as populações mais pobres.

Em vez de se criarem meios para que essa noção deixe o papel e se transforme em realidade, pretende-se livrar as autoridades da obrigação de defender a vida dos brasileiros. Se hoje o atendimento é precário, uma mudança desse porte teria o efeito de legalizar uma situação injusta.

Na falta de políticas públicas adequadas, a regra constitucional assegura que muitos brasileiros sejam atendidos quando batem às portas da Justiça para conseguir, pela sentença de um juiz, o cumprimento de um direito que deveria ser assegurado automaticamente. Existem remédios contra determinados tipos de câncer que custam R$ 8 000 mês.  Quem pode pagar?

Muitas pessoas nem vão à Justiça porque não tem clareza sobre seus direitos.

Considerando que o envelhecimento da população é uma realidade, está na cara qual deve ser a prioridade. Hoje, o câncer já é a segunda causa de morte dos brasileiros.

Mas é certo que nem todo mundo pensa assim. A saúde privada é, como o nome sugere, um grande fiasco social mas um ótimo negócio do ponto de vista econômico.

Paraíso da privatização da medicina, os Estados Unidos têm um sistema de saúde muito mais caro e menos eficiente do que qualquer país com um patamar equivalente de desenvolvimento econômico-social. Em compensação, possuem lobistas poderosos e implacáveis.

Claro que uma lei como esta só poderá funcionar se o Congresso encarar a necessidade de criar meios para que seja implementada.

O fim da CPMF, alvo de uma campanha liderada pela FIESP e pelo caixa 2 de grandes empreiteiras, foi uma derrota importante na construção de um sistema de saúde pública. No caso brasileiro, tentou-se justificar o fim de uma regra que permitia levantar mais recursos para a saúde – e, de quebra, localizar sonegadores – com o argumento de que os cidadãos já pagam muitos impostos e não se deve perder nenhuma oportunidade para diminuir a carga tributária.

É uma velha argumentação irracional e anti-democrática. De dia, acusa-se o governo de não cumprir suas obrigações e de não atender a população em seus direitos. À noite, faz-se o possível para que não tenha meios de fazer isso. Assim, quando a população se der conta do que aconteceu, irá descobrir que sobrou menos dinheiro no seu bolso.

Nossos lobistas poderiam ser mais criativos. Querem fingir que acreditam em Papai Noel e dar a impressão de que recursos para políticas públicas caem do céu.

Usar o Estado para ampliar a saúde privada num país com nossa estrutura de distribuição de renda é uma iniciativa que deveria ser denunciada como socialmente criminosa.

 

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