"Mesmo ao lado do Inferno"

O “Inferno” está aqui, em plena União Europeia, um ano depois, por pouco ou mesmo nada que dele se fale. As lamas vermelhas cáusticas e tóxicas que em Outubro de 2010 se espalharam por uma vasta zona do sudoeste da Hungria depois do rebentamento de um depósito, contaminando gente, casas, terras e águas à sua passagem, continuam afectar a vida de toda uma região condenada a uma morte lenta. As autoridades húngaras, na altura assumindo a presidência da União, quiseram esconder o assunto, com a conivência de Bruxelas. Hoje não se preocupam com ele, entregando à sua sorte milhares de pessoas que não têm para onde ir, vítimas também de agiotas que continuam a exigir-lhes os compromissos sobre casas que não podem habitar. Durante este ano, a Hungria aprovou uma nova Constituição que se diz assente na “tradição cristã” do país. A eurodeputada Marisa Matias, a fotógrafa Paulete Matos e o realizador José Nuno Pereira visitaram a região. Agora apresentam o resultado do seu trabalho numa audição, um livro e uma exposição no Parlamento Europeu, com a presença de algumas das vítimas. Afinal alguém se lembrou delas dentro do espaço europeu…
“Mesmo ao lado do Inferno” é o livro que Marisa Matias e Paulete Matos vão apresentar quarta-feira no Parlamento europeu. O livro é trilingue – Português, Húngaro e Inglês – e será divulgado numa audição parlamentar organizada pela eurodeputada do GUE/NGL eleita pelo Bloco de Esquerda com a presença de membros de oito famílias vítimas da tragédia.
Nesses dias de Outubro de 2010 a massa devastadora de lamas vermelhas tóxicas, ganga do fabrico de alumínio recolhida em reservatórios sobrecarregados e que não aguentaram a força das chuvas, matou dez pessoas, feriu 150, deixou centenas de desalojados e milhares de seres humanos forçados a permanecer no local, expostos à contaminação, por não terem para onde ir. As autoridades de Budapeste esqueceram-se deles.
Além dos factos ocorridos, o perigo de novas torrentes continua latente porque as instalações industriais continuam em laboração. As lamas tóxicas resultam do tratamento de bauxite para fabrico de alumínio e são ricas em metais pesados, perigosos para a vida humana, as terras agrícolas e os cursos de água. Cada tonelada de alumínio produzida deixa como resíduo duas toneladas de lamas tóxicas. A Hungria produz seis a sete mil toneladas de alumínio do ano. Por aqui pode apurar-se a dimensão do perigo que se mantém sabendo-se que, ao contrário de outros países que tratam as lamas aproveitando os metais e reutilizando a base alcalina no processo de produção, a Hungria não trata estes resíduos.
“As estatísticas da tragédia são enganadoras”, diz Marisa Matias. “Não nos falam da vida das famílias nem nos dizem como os poderes públicos lidam com este tipo de calamidades – a começar pelo apuramento das responsabilidades”, acrescenta a eurodeputada. Por isso, explica, “nove meses depois de ter intervido no Parlamento Europeu sobre estes acontecimentos decidi visitar os lugares afectados”.
Na quarta-feira a audição pública começa às 12 e 15 numa sala do Parlamento Europeu, com intervenções de Marisa Matias e de Kinga Kalocsai, do Partido dos Trabalhadores Húngaros 2006, seguindo-se debate e contribuições de membros de oito famílias vítimas da tragédia: János Almási, Roland Bakos, Petra Bakos, Réka Bakos, Noémi Bakos, Éva Bakosné Horváth, Rajmund Erdélyi, Roland Gergelyffy, Dominik Gergelyffy, Félix Gergelyffy, Ottó Hodvogner, Ottóné Hodvogner, Renáta Kövesi, Lászlóné Molnár, László Molnár, Istvánné Sarik, József Varga.
Segue-se, às 15 horas, a inauguração da exposição fotográfica e documental, resultado dos trabalhos de Paulete Matos e José Nuno Pereira. A exposição estará aberta ao público até sexta-feira no piso zero do edifício ASP do Parlamento Europeu, em Bruxelas. Em simultâneo será apresentado o livro de Marisa Matias e Paulete Matos “Mesmo ao lado do Inferno”.
Artigo publicado no portal do Bloco no Parlamento Europeu.