O fantasma da fome está de volta

08/06/2012 20:51

Três bilhões de pessoas - quase metade da população mundial - sofrem com a insegurança alimentar. E não é por falta de comida

 

Jomo Kwame Sundaram*

Exame Especial CEO / Rumo à Economia Verde/Planeta Sustentável 

 

Costumamos associar fome à falta de alimentos, mas raramente o problema está aí. O mundo produz hoje comida suficiente para alimentar a todos. O problema é que um número cada vez maior de pessoas não pode pagar pelo alimento de que necessita. Antes mesmo dos recentes aumentos do preço dos alimentos, 1 bilhão de pessoas tinha fome crônica, enquanto outros 2 bilhões sofriam de subnutrição, elevando o número total de pessoas sem segurança alimentar para cerca de 3 bilhões, ou quase a metade da população mundial. Pior: trata-se de um número que não para de crescer. Os preços globais dos alimentos estão no nível mais elevado desde que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) começou a monitorá-los em 1990. O Banco Mundial estima que as altas recentes dos preços dos alimentos empurraram outros 44 milhões de pessoas para a pobreza nos países em desenvolvimento. 

O rápido aumento dos preços mundiais de todas as culturas alimentícias básicas - milho, trigo, soja e arroz -, ao lado de outros alimentos, como óleo de cozinha, foi devastador para famílias pobres. Mas o padrão de vida de quase todo o mundo foi rebaixado. As pessoas que pertencem à classe média estão ficando cada vez mais cautelosas com suas compras de alimentos. Os quase pobres estão parando de progredir e despencando em vez de permanecer acima da linha da pobreza; e os pobres e vulneráveis, como não poderia deixar de ser, estão sofrendo ainda mais. 

A produção de alimentos aumentou enormemente com a busca de segurança alimentar e a revolução verde dos anos 70. Mas os especialistas em agricultura têm advertido sobre os riscos da diminuição dos esforços para aumentar a produção desde os anos 80. Enquanto o crescimento da oferta de alimentos desacelerava, a demanda continuava a crescer em razão não só do aumento da população mas também do uso crescente de culturas alimentícias na engorda de animais. O problema é exacerbado pela queda significativa do fomento à agricultura em países em desenvolvimento. O fomento à agricultura caiu para menos da metade entre 1980 e 2004. Nesse período, o Banco Mundial reduziu os empréstimos à agricultura de 7,7 bilhões para 2 bilhões de dólares. 

Com a persistência dos cortes, os aportes à pesquisa e ao desenvolvimento agrícola - necessários para melhorar a produtividade - caíram em todos os países em desenvolvimento. Enquanto isso, no setor privado, o agronegócio gastou muito mais em pesquisa do que todos os institutos públicos de pesquisa agrícola juntos. Os governos dos países emergentes também pararam de subsidiar agricultores ou de se envolver no comércio, armazenamento, transporte ou fornecimento de crédito para alimentos. Os países ricos, por sua vez, continuam subsidiando e protegendo seus agricultores, solapando, dessa maneira, a produção de alimentos nos países mais pobres. 

 

Desde a década de 80, governos têm sido pressionados a promover as exportações para acumular divisas e comprar alimentos. Consequentemente, muitos países pobres recorreram ao mercado mundial para comprar arroz e trigo baratos em vez de eles mesmos os cultivarem. Alguns países e regiões que já foram autossuficientes em alimentos importam agora grandes quantidades, o que pressionou os preços. 

Outros fatores contribuíram para a crise alimentar. Mudanças climáticas agravam os problemas de abastecimento de água, aceleram a desertificação e fazem crescer a severidade de eventos extremos de clima. Desflorestamento, pressão populacional crescente, erosão do solo e pesca excessiva também desempenham um papel. A alta do petróleo é outro fator a afetar o preço dos alimentos. A agricultura comercial usa petróleo e gás para operar máquinas, transportar bens e produzir os agroquímicos necessários para fertilizantes e pesticidas. 

Além disso, as culturas alimentícias estão sendo destinadas à produção de biocombustíveis, reduzindo a disponibilidade de alimentos para o consumo humano. Países ricos fornecem generosos subsídios e outros incentivos para o aumento da produção de biocombustíveis. Alguns países emergentes - caso do Brasil - encorajam a produção de biocombustíveis sem oferecer a gama de incentivos que distorcem o mercado. Evidentemente, alguns biocombustíveis são muito mais eficientes do que outros. O açúcar, por exemplo, não teve nenhum aumento significativo de preço, a despeito do aumento considerável de produção de etanol nos últimos anos. 

E, DE NOVO, A CRISE 
Um cenário que já não era tranquilo foi duramente afetado pela crise financeira dos últimos anos. A especulação e a acumulação de estoques também têm sido elementos importantes para a alta dos preços dos alimentos. Mais securitização, facilidades de comércio online e outros desdobramentos financeiros nos últimos anos levam a um maior investimento especulativo, em especial nos mercados de futuros e opções de commodities. À medida que a crise financeira se aprofundava, em fins de 2007, especuladores começaram a investir em commodities, movimento também induzido pela queda do dólar em relação a outras moedas. 

Tudo somado, vê-se que a solução de nossos males está ao alcance da mão. O problema atual é o da insegurança alimentar, não da falta de alimentos. Evidentemente, para quem está faminto em consequência de aumentos dos preços, essa é uma distinção que não faz a menor diferença.

 

*Jomo Kwame Sundaram - É subsecretário-geral das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico

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