O voto sustentável

04/10/2012 20:18


No próximo domingo, será possível identificar nas urnas alguma indicação de que uma parte do eleitorado está preocupada com sustentabilidade? Dificilmente, eu diria, apenas porque essa agenda está espalhada numa miríade de políticas públicas desejáveis. O sujeito pode votar com um conjunto de prioridades em mente e nem saber que seus desejos se alinham com o ideário sustentável.

E isso é ótimo. Sinal de evolução, penso eu aqui com os meus botões. E explico.

Analistas políticos consideram que a pauta ambiental cola mais com a classe média. A mesma classe média que pode designar gente tacanha ou gente progressista, dependendo de quem avalia, mas que de todo modo tem os seus problemas econômicos básicos resolvidos. E é isso que importa, segundo essa linha de raciocínio. Quando as pessoas têm renda, moradia, saúde e educação adequadas, elas começam a se preocupar então com outras coisas mais, digamos assim, intangíveis.

Há muitas indicações na História que confirmam a tese. A massa crítica pela sustentabilidade urbana é muito mais antiga e com mais desdobramentos práticos nos países desenvolvidos. Aliás, foram esses países que começaram toda essa conversa internacional, em 1972, na primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Estocolmo. Naquela ocasião, o representante brasileiro largou o infame “venham poluir o Brasil!”, meio de deboche, meio de protesto contra a lengalenga da poluição, enquanto nós aqui no Sul Global tínhamos problemas mais graves com que nos preocupar: miséria, fome, desemprego…

Sustentabilidade entra no debate eleitoral como entra em todas as manifestações da cultura (desde conversas de boteco e Facebook, passando pela publicidade, ações corporativas, festas, música, filmes…). Depois do divisor de águas da candidatura de Marina Silva à presidência, em 2009, temos hoje dois movimentos de maior destaque tentando influenciar estas eleições municipais.

Um é o Não Vote em quem Votou Contra as Florestas, da turma que fica de olho no Código Florestal. Outro é o programa Cidades Sustentáveis, por meio do qual a sociedade civl propõe plataformas aos futuros prefeitos. Em São Paulo, onde moro, todos os candidatos que pontuam nas pesquisas de intenção de voto assinaram a carta-compromisso proposta pelo movimento.

Pode ser que, afastando-nos da condição de país miserável, estejamos todos um pouco mais dispostos a pensar além dos clássicos dramas de subdesenvolvimento.

Mas aqui está o pulo do gato: acho que quando os especialistas dizem que a questão ambiental é coisa de classe média e alta, eles estão pensando em motivações como “salvar” a Amazônia ou a biodiversidade. É aquela coisa do meio ambiente distante, antítese da cidade. Pois se a população carente perde noites de sono e anos de vida por causa de esgoto a céu aberto e falta de coleta de lixo, isso não é também uma preocupação ambiental?

E vejam que a sustentabilidade, em sua maravilhosa complexidade, espraia-se para muito além do tema meio ambiente. Um dos itens do programa Cidades Sustentáveis é o orçamento participativo, por exemplo. Não tem nada de intrinsecamente ambiental nisso. Outra questão que mobiliza corações e mentes nas grandes cidades é a famosa qualidade vida, que por sua vez tangencia uma série de ideias que, ao fim e ao cabo, afinam-se com a qualidade ambiental no contexto urbano.

O meu ponto é que nem todo mundo precisa saber de cor e salteado a fieira de práticas consideradas sustentáveis. Conceitos são importantes quando uma corrente de pensamento radicalmente nova e marginal aponta no horizonte (os estudiosos de Ken Wilber saberão que me refiro à sua teoria da integração). Conforme a coisa evolui, o esperado é que a tal corrente se fixe nos valores de uma maneira tão orgânica que as pessoas nem precisam mais de um nome para caracterizar aquilo que estão buscando e fazendo.

Talvez a minha conclusão reflita mais um desejo que uma opinião informada. Mas realmente acredito que esse espalhamento orgânico da sustentabilidade sem nome já está acontecendo – muito lentamente, mas também inevitavelmente – nestas nossas paragens tupiniquins.

*Publicado originalmente no site Planeta Sustentável , Por Carolina Derivi

Foto: Chris Harvey

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