Que é feito do “despertar árabe” (I)?

01/10/2011 16:18

 

A Primavera Árabe não parou, apesar de uma terrível repressão – em primeiro lugar na Síria –, apesar das tentativas de retrocesso e apesar da organização de uma “contra-revolução”. Por Alain Gresh, Les Blogs du Diplo.
Manifestação no Egipto: as mobilizações continuam. Foto de Al Jazeera English
Manifestação no Egipto: as mobilizações continuam. Foto de Al Jazeera English

Agora que está a começar o Outono, agora que a queda do regime de Ben Ali já vai em cerca de oito meses, que é feito do “despertar árabe”? Mais uma vez a pergunta é feita por diferentes observadores, mas também por actores: as revoluções árabes acabaram?

A primeira observação importante é que o movimento não parou, apesar de uma terrível repressão – em primeiro lugar na Síria –, apesar das tentativas de retrocesso e apesar da organização a nível regional (e internacional) de uma “contra-revolução”. Limitar-nos-emos, por agora, aos três países onde o regime caiu: Tunísia, Egipto e Líbia, e posteriormente iremos aos outros (Síria, Arménia, Bahrein, etc.) e às dimensões regionais.

Onde caíram os regimes, o movimento continua, em primeiro lugar na Tunísia e Egipto. Neste primeiro país (que abriu caminho a estas revoluções), as eleições serão realizadas a 23 de Outubro para designar uma assembleia constituinte. Mais de 50% dos potenciais eleitores (45% dos quais mulheres) inscreveram-se voluntariamente nas listas eleitorais, mas os restantes poderão votar mediante a apresentação do bilhete de identidade. Este resultado é ainda mais notável dado que a Instância Superior para a preparação das eleições (ISIE) tinha decidido prescindir dos serviços do Ministério do Interior. As listas estão a ser preparadas, e deverão assegurar, pela primeira vez, a paridade plena. A campanha terá lugar entre 1 e 22 de Outubro.

A situação ainda está longe de ser estável. Houve confrontos em 15 de Agosto durante uma manifestação da União Geral Tunisina do Trabalho (UGTT) contra o governo (“Manifestações e confrontos com a polícia na Tunísia,” lemonde.fr, 15 de Agosto) e várias revoltas em momentos diferentes, tendo a última ocorrido no sul (“Recolher obrigatório no sul da Tunísia, após confrontos entre jovens”, lemonde.fr, 2 de Setembro). Esta agitação é devida a dificuldades económicas e sociais, porque o governo não consegue definir uma política coerente, e também ao peso da guerra da Líbia, com a recepção de centenas de milhares de refugiados líbios, enquanto muitos trabalhadores da Tunísia deixaram o país. Para não mencionar a queda no turismo, que afecta um sector vital. A estabilização (possível?) da Líbia, a recuperação no turismo desde Agosto, e, especialmente, as discussões em torno de uma verdadeira política de desenvolvimento e o estabelecimento próximo de um governo legítimo são outros tantos motivos de esperança.

Egipto: continuam as mobilizações a todos os níveis

Segundo país em análise, o maior em número de habitantes e também o mais estratégico, o Egipto. Muitos estão preocupados, e com razão, com o papel que continua a desempenhar o Conselho Supremo das Forças Armadas (AFSC), com as prisões de activistas, a tortura que continua. No entanto, é preciso destacar os avanços: o AFSC não queria prender, muito menos julgar, Hosni Mubarak e a sua família, mas foi forçado a fazê-lo; depois de ter dissolvido o Partido Nacional Democrático (NDP), foi também obrigado a tomar a tutela do único sindicato e tem-se dado um desenvolvimento significativo de sindicatos independentes e movimentos sociais (apesar da proibição de greves, que o AFSC não consegue pôr em prática). Gradualmente, as instituições – universidades, hospitais, etc. – organizam novas direcções, muitas vezes eleitas pelos trabalhadores. Várias empresas privatizadas em condições duvidosas estão na mira da justiça. Mais importante, continuam as mobilizações a todos os níveis e não há nenhuma indicação de que estejam para parar.

Se, por um lado, o processo eleitoral foi adiado, por outro, muitos partidos foram legalizados e começaram a organizar-se. Há uma fragmentação da cena política (e não apenas entre as forças chamadas “laicas” mas também entre os muçulmanos) e é difícil saber quem vai ganhar as eleições que devem ocorrer até ao final do ano.

Líbia: temores de uma tutela do país

Terceiro caso, a Líbia, o mais abrangente porque a queda do regime deve muito à intervenção das forças da NATO e há temores de uma tutela do país. Contudo, apesar da inegável influência da França e dos Estados Unidos nesta operação, é muito cedo para anunciar essa hegemonia ocidental. Por várias razões:

- Em primeiro lugar, o conflito não acabou e falta ver se a situação vai estabilizar; independentemente do resultado, é preciso assegurar as condições para a unidade nacional;

- depois, não está claro – é o mínimo que podemos dizer – que os líderes do Conselho Nacional de Transição (CNT) ainda estejam no poder daqui a poucos meses; as milícias que tomaram Tripoli e garantiram a vitória – de regiões, tribos e ideologias muito diferentes – exigirão o seu tributo;

- o próprio CNT foi forçado a guardar uma certa distância em relação à chamada comunidade internacional: ao recusar qualquer presença de tropas ocidentais ou mesmo a ONU no seu território; rejeitando qualquer ideia de extradição de Ali Meghrabi (o único que foi condenado no atentado de Lockerbie e libertado por motivos de saúde), anunciando que a nova Líbia não extraditaria os seus cidadãos (ao contrário de Khadafi).

Voltarei mais tarde a este tema, abordando outros países, mas é preciso salientar a hipocrisia incrível dos Estados Unidos e da França no que diz respeito à Líbia:

- Paris não apenas convidou para a conferência sobre a Líbia, no dia 1 de Setembro, o rei do Bahrein, mas também elogiou o papel de países tão poucos democratas como o Qatar, a Jordânia, os Emirados Árabes Unidos;

- os documentos encontrados em Tripoli mostraram a cooperação entre a CIA, MI5 e MI6 britânicos e os serviços secretos de Khadafi na tortura de militantes islâmicos («Secret files show UK, US ’ties’ to Kadhafi regime», AFP, 3/9).

5 de Setembro 2011

https://blog.mondediplo.net/2011-09-05-Ou-en-est-le-reveil-arabe-I

Tradução de Deolinda Peralta para o Esquerda.net

 

Tópico: Que é feito do “despertar árabe” (I)?

Nenhum comentário foi encontrado.