Um potencial inexplorado
Para Charles Darwin, as florestas tropicais do Brasil eram uma grande, desordenada e selvagem estufa criada pela natureza em proveito próprio, e também - embora ele não tenha dito isso - em proveito da ciência. Além de ser a mais extensa floresta do mundo, a Amazônia é provavelmente o maior repositório isolado de biodiversidade do planeta. E continua em grande parte inexplorada, a despeito de seu enorme potencial para o avanço tanto das ciências biológicas quanto da sociedade. Felizmente, os cientistas começam a entender um pouco das características da Amazônia como um sistema. Cerca de metade de suas chuvas é produzida por um ciclo hidrológico que se beneficia da evaporação das complexas superfícies da mata, assim como da evapotranspiração das próprias árvores. Embora há muito esteja comprovado que o desmatamento excessivo pode levar à degradação desse ciclo, ainda não foi possível determinar o limiar desse processo. Além disso, vêm se acumulando indícios de que as queimadas afetam a floresta e o ciclo hidrológico. E, na década passada, em duas ocasiões e sem aviso prévio, a Amazônia sofreu com secas sem precedentes; a mais recente, em 2010, parece estar associada a uma significativa liberação de carbono na atmosfera pela imensa floresta, e pode muito bem ser uma antevisão do que nos reserva a mudança no clima. Veja também a galeria de fotos Novos caminhos da Amazônia Portanto, sabemos agora, o que antes parecia vasto e estável é de fato vasto, mas encontra-se em um estado de equilíbrio precário. Na verdade, de acordo com estudo do Banco Mundial - o primeiro a usar um modelo para avaliar os efeitos simultâneos da seca, das queimadas e das mudanças climáticas na Amazônia -, um ponto de inflexão para o declínio da floresta nas regiões sul e leste da Amazônia poderia ocorrer com 20% de desmatamento, cuja proporção atual está em 18% - ou seja, resta pouca margem de segurança. Isso indica que, à medida que a ciência compreende melhor o delicado equilíbrio fundamental ao funcionamento global da Amazônia, e também sua importância (por meio dos "rios aéreos") para as precipitações ao sul da região (cruciais para a agroindústria), não há por que adiar mais a recuperação daquela margem de segurança pelo reflorestamento intensivo no chamado "arco do desmatamento". Temos um bom exemplo de iniciativa similar no âmbito da Mata Atlântica, viabilizada por acordos entre empresas e organizações da sociedade civil, como o do Instituto BioAtlântica, que visa uma mescla seletiva de produtos florestais, assim como o reflorestamento natural. Embora o crescimento da mata secundária seja capaz de proporcionar as condições iniciais, ainda falta aprender sobre as soluções mais eficazes em um empreendimento de escala tão ampla. E é preciso desenvolver técnicas para aumentar a produtividade das áreas remanescentes de pastagens e plantações, sem o uso excessivo de insumos que caracteriza o agronegócio.O ecólogo americano Thomas Lovejoy é membro do Centro H. John Heinz III para Ciência, Economia e Meio Ambiente, é um dos mais influentes ambientalistas do cenário mundial. Ele escreveu, com exclusividade para esta edição especial de NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, sobre como a Amazônia pode conduzir o mundo inteiro a uma era de sustentabilidade.
Foto de Luciano Candisani
Ao mesmo tempo, seria conveniente pôr em prática um amplo projeto de exploração da biodiversidade local. Mesmo grupos mais conhecidos, como as aves, ainda possuem muitas espécies não identificadas. Toda essa abundância poderia ser melhor aproveitada com a exploração dos elementos valiosos em parceria com empresas. Uma vez que o mundo vem buscando cada vez mais as atividades econômicas sustentáveis, oportunidades novas e instigantes podem surgir de ações baseadas no funcionamento da natureza. E essas informações, compiladas em bancos de dados, poderiam contribuir para um manejo mais bem embasado da região. Um dos maiores obstáculos a se vencer nesse processo é a inexistência de iniciativas conjuntas dos vários países que abrigam a floresta, tanto na pesquisa científica como no aproveitamento dos recursos florestais.
O Brasil vem se empenhando para conter o desmatamento, mas ao mesmo tempo financia a estrada do Pacífico, assim como a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia peruana. O manejo do sistema fluvial amazônico e seus importantes recursos pesqueiros é um dos que requerem com mais urgência um programa de cooperação internacional. Em meados da década de 1990, a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca) parecia ser o passo inicial no sentido de maior coordenação entre as nações da região nos campos do desenvolvimento e da pesquisa. Talvez seja o caso de tornar mais efetiva a Otca. Mesmo no âmbito interno dos países, a abordagem é pouco integrada e coordenada. Rodovias são planejadas sem que se pondere o impacto final sobre a floresta. Não seria preferível a construção de ferrovias, considerando que reduziriam a colonização espontânea? E, no caso das hidrelétricas, não são levados em conta outros impactos além daquele ocasionado pela própria construção - quais são as consequências da abertura de estradas de acesso ou da atividade econômica gerada por uma barragem? Veja também a galeria de fotos Novos caminhos da Amazônia O planejamento energético de cada país da região deveria ser revisto tanto em função das inevitáveis mudanças climáticas quanto com o objetivo de proporcionar novas perspectivas de adequação a um futuro sustentável. No fim, não haverá solução para a sustentabilidade na Amazônia antes que se assegurem condições de vida dignas para os moradores da região. O Brasil foi pioneiro na criação de Reservas Extrativas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável - na do Rio Negro, por exemplo, não apenas as comunidades recebem ajuda para aperfeiçoar o manejo dos recursos naturais como as famílias são recompensadas com uma Bolsa Floresta (pagamento para que mantenham intacta a vegetação), ao mesmo tempo que escolas e postos de saúde são conectados ao mundo externo por banda larga via internet, possibilitada pela energia de painéis solares. A qualidade de vida nas cidades é uma peça crucial nesse imenso quebracabeça, tornando indispensáveis as melhorias nos sistemas de água e esgoto. As temperaturas elevadas nas zonas urbanas resultam em maior demanda de energia, mas o calor poderia ser amenizado graças a um esforço deliberado para se ampliar as áreas verdes, obtendo-se o mesmo efeito das imponentes mangueiras de Belém antes da chegada da eletricidade. Uma cidade com parques e áreas naturais não é só um local mais agradável para se viver mas também torna seus moradores conscientes da importância da natureza. Sem dúvida, as pesquisas científicas podem levar ao conhecimento para se almejar um futuro sustentável na Amazônia, mas o alcance da ciência será limitado se não houver planejamento integrado. O que faz falta é uma nova e ambiciosa concepção ecológica do desenvolvimento amazônico, na qual tivessem participação destacada de instituições, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) brasileiro e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Juntamente com os países amazônicos, elas poderiam conduzir o mundo a uma era de sustentabilidade. Fonte: National Geographic