Eleição peruana pode mudar a geopolítica nas Américas e preocupa Washington
Em mais alguns dias, neste domingo (05/06), será realizada uma eleição que terá influência significativa no continente americano. Até o momento, a disputa está muito acirrada para se anunciar um possível ganhador. Até agora, o governo dos Estados Unidos ficou a maior parte do tempo em relativo silêncio, mas não há dúvidas de que ele terá uma grande participação no resultado destas eleições.
A disputa é entre o populista de esquerda e ex-militar Ollanta Humala contra Keiko Fujimori, filha do autoritário ex-presidente Alberto Fujimori, que governou o país entre 1990 a 2000. Alberto Fujimori está preso atualmente, cumprindo uma condenação de 25 anos por diversos assassinatos políticos, sequestros e casos de corrupção. Keiko já deixou claro que representa a doutrina de seu pai e de seu governo, e está rodeada de aliados e ex-integrantes daquele governo.
A [Alberto] Fujimori foi atribuída "responsabilidade individual" pelos assassinatos e sequestros. Porém, seu governo foi responsável por muitas outras mortes e abusos aos direitos humanos, incluindo a esterilização forçada de dezenas de milhares de mulheres, em sua maioria, indígenas.
Entre os dois candidatos, quem você acredita que Washington vai preferir?
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Se você acha que é Keiko Fujimori, acertou. Conversei na noite de segunda-feira passada, em Lima, com Gustavo Gorriti, um premiado jornalista investigativo peruano e uma das pessoas as quais Alberto Fujimori foi declarado culpado por ter sequestrado. "A embaixada dos Estados Unidos se opõe energicamente à candidatura de Humala", disse.
O professor de Ciências Políticas da Universidade de Harvard, Steven Levitsky, que já escreveu extensamente sobre o Peru e atualmente é professor convidado da PUCP (Pontifícia Universidade Católica do Peru), chegou à mesma conclusão: "É claro que a embaixada dos EUA vê Keiko como a opção menos ruim", ele me afirmou em Lima na terça-feira (31/05).
Os opositores de Humala argumentam que a democracia peruana estaria em perigo caso ele fosse eleito, fazendo referência a uma rebelião militar a qual ele encabeçou contra o governo autoritário de Fujimori. Mais tarde,acabou inocentado pelo Congresso peruano. Porém, seu histórico não é comparável com os crimes reais e comprovados de Alberto Fujimori.
Humala também é acusado de ser um aliado do presidente venezuelano Hugo Chávez,a quem acabou se distanciando durante a campanha, ao contrário de sua tentativa anterior, em 2006. No entanto, tudo isso é só uma artimanha dos meios de comunicação de direita. Chávez foi satanizado em toda mídia latino-americana e, dessa forma, os monopólios das empresas de comunicação de direita o utilizaram como um fantasma em diversas disputas eleitorais nos últimos anos, com variados níveis de sucesso.
Também está claro que a Venezuela desempenha um papel irrelevante nesta disputa eleitoral, já que quase todos os governos da América do Sul são "aliados de Chávez". Esta constatação é especialmente verdadeira em relação a Brasil, Argentina, Bolívia, Equador e Uruguai, por exemplo, todos eles com boas relações e uma colaboração muito estreita com a Venezuela.
Como em muitas outras eleições na América Latina, a dominação dos meios de comunicação pela direita é a chave para o êxito das táticas do medo. “A maioria das estações de televisão e os jornais trabalham ativamente para Fujimori nesta eleição”, disse Levitsky.
A ideia de ter um outro governo Fujimori é tão alarmante que um número significativo de políticos peruanos conservadores decidiu apoiar Humala. Entre eles, está o vencedor do Nobel de literatura Mario Vargas Llosa, que odeia a esquerda latino-americana, tanto quanto muitos. Humala também recebeu apoio de Alejandro Toledo, ex-presidente peruano e candidato derrotado no primeiro turno destas eleições.
Então, por que os EUA preferem Fujimori? A resposta é muito simples: porque para Washington o que importa é sua debilitada influência e poder sobre seu antigo “quintal”, a América Latina. Na América de Sul atualmente, temos governos de centro-esquerda na Argentina, Brasil, Venezuela, Equador, Bolívia, Uruguai e Paraguai. E estes países partilham posições comuns na maior parte dos temas regionais – e, muitas vezes, em questões internacionais, como o Oriente Médio – as quais, com frequência, batem de frente com as de Washington.
Por exemplo: quando os militares hondurenhos derrubaram o presidente de centro-esquerda Manuel Zelaya, em 2009, e a administração Obama tratou de legitimar o governo de fato através de eleições que outros países não reconheceram. Foram os poucos aliados de direita dos EUA na região que romperam o consenso em torno da questão com o resto da América do Sul.
Até antes de agosto do ano passado, os únicos governos na América do Sul que os EUA podiam contar como aliados eram Chile, Peru e Colômbia. Entretanto, sob a administração de Juan Manuel Santos, a Colômbia já não é uma aliada tão confiável, e atualmente mantém relações bilaterais muito estreitas com a Venezuela.
Caso Humala ganhe, não há muita dúvida de que ele se unirá ao restante da América do Sul na maioria dos temas que aborrecem Washington. O mesmo não se pode dizer de Keiko Fujimori.
É por isso que os Estados Unidos estão preocupados com esta eleição.
Fonte: Opera Mundi